sábado, 28 de agosto de 2010

Blog novo, vida nova

Hello there!
Finalmente!
Eu estava ansioso para vir aqui, no blog novo, depois alguns meses de preparação, postar meu primeiro conto revisado por outra pessoa!
Falando nisso, gostaria de agradecer imensamente à Heidi Trindade, que nunca me viu na vida, e se propôs a cuidar dos meus contos e de fazer este site novo, que por sinal está muito bom!
O meu blog antigo vai ficar online, porém nada mais será postado. Vai servir apenas de arquivo, para quem quiser ler meus trabalhos mais antigos. Aqui neste novo canal vou postar apenas trabalhos novos, misturando ficção e fantasia, e dar algumas novidades sobre meus trabalhos impressos, que enfim começaram a dar certo.
Falando nisso, meu primeiro livro já está pronto, e a partir da semana que vem já está à venda no site da editora, agbook. É só procurar por "Contos Fantasticos de Keryn" ou "Daniel Lunas"

Meu primeiro conto aqui no blog novo foi escrito no começo do ano, se não me engano e bem me lembro. Eu o escrevi para uma revista especializada em RPG. É uma historia ambientada no Mundo das Trevas, da White-Wolf, traduzido aqui no Brasil pela editora Devir. Mais específicamente para o cenário Lobisomem: Os Destituídos.
Bom, para quem não conhece o cenário, os Lobisomens deste jogo não são infectados por outros metamorfos. São na verdade espíritos protetores da Terra, que reencarnam nos personagem dos jogadores, que podem se transformar em lobo a hora que quiserem. Porém, mesmo quem não conhece o cenário pode apreciar o conto, eu garanto hehehe.

Sem mais enrolação, vamos logo estreiar o novo blog! E lembrem-se, DEIXEM COMENTÁRIOS!

As garras da esperança

A grossa camada de neblina já havia tomado conta das ruas da cidade em pouco mais de cinco minutos depois que anoitecera. A névoa parecia uma grande enchente que invadia casas e becos, cegando as autoridades com sua suavidade branca, impedindo-as de enxergarem às barbaridades cometidas todas as noites rua adentro.


Mas mesmo assim Russel se sentia seguro. Seguro como jamais imaginou que poderia se sentir. Com apenas dezessete anos de idade o garoto já presenciara todos os tipos de atrocidades. Mas esses temores não o importunariam para sempre.

Aos quinze, o rapaz assistira ao assassinato dos pais de dentro do guarda-roupa. Um grupo de homens vestindo jaquetas de couro pretas com um estranho escorpião vermelho estampado nas costas, invadiram sua casa à noite. Russel estava no quarto dos pais, junto com sua irmã mais nova, Rachel, que na época tinha doze anos. Ambos estavam assistindo desenho enquanto seus pais viam algum filme na sala, quando os assassinos chegaram, gritando e quebrando tudo.

Russel e Rachel pularam da cama no primeiro instante, corações acelerados em uníssono. O garoto puxou sua irmã para perto abraçando-a firmemente, quando ouviu um barulho de passos apressados subindo as escadas. No instante seguinte a porta se abriu, e as crianças relaxaram um pouco quando viram seu pai e sua mãe entrando pela porta. Mas a calma não durou nem um segundo, devido ao pavor estampado na face do casal.

- Filho, eu quero que você entre no armário com sua irmã, e feche a porta. Não saia de lá. – soluçou o pai, em um tom sombrio. Russel apenas afirmou com um aceno de cabeça, tremendo de medo.

Ao mesmo tempo, sua mãe conversava com Rachel:

- Querida, você vai ficar ali dentro com seu irmão, - a garota percebeu que a mão da mãe tremia enquanto ela apontou o armário, mas ela parecia mais calma, obviamente tentando sossegar a garotinha. – e vão ficar lá até a gente chamar vocês, tudo bem? – a garota também acenou em reconhecimento.

Russel mal teve tempo de se emaranhar entre os casacos e caixas de sapatos quando os criminosos alcançaram a suíte. No instante seguinte um estouro ecoou pela casa, junto ao berro de sua mãe. Russel ousou olhar por entre uma fresta, e se arrependeu amargamente por isso. O corpo de seu pai estava estirado no chão, com um pequeno orifício na têmpora esquerda, muito menor do que o garoto tinha se acostumado a ver nos filmes de terror “pastelão”. Uma poça de sangue crescendo no chão embaixo da cabeça. Espasmos musculares faziam a perna do defunto tremer.

O coração do rapaz acelerou, mas a sensação era de que não batia mais. Ele apertou sua irmã contra o peito, tapando os ouvidos dela com as mãos. Russel não queria mais assistir aquele circo de horrores, mas não conseguia desviar o olhar. O máximo que conseguiu fazer foi impedir que Rachel testemunhasse aquela coisa.

Os homens de jaqueta de couro se aproximaram da mãe do rapaz. Os joelhos dela quase batiam um no outro de tanto tremer. Ela mordia os próprios lábios, tentando inutilmente conter o choro e o desespero. Mechas de cabelos grudaram nas lágrimas em suas bochechas. Abraçando o próprio peito, como se este ato criasse uma barreira entre ela e os invasores. Mas esta barreira não existia.

A morte de seu pai não foi nada perto do que os assassinos iriam fazer naquele momento. As armas de fogo haviam sido guardadas, sendo substituídas por canivetes que, no desespero e na aflição de Russel, pareciam grandes como espadas. A roupa de sua mãe fora cortada em mais lugares do que se podia imaginar, e longas linhas vermelhas úmidas surgiram por detrás do pano despedaçado. A mulher tentou lutar, socando e chutando desesperadamente em todas as direções quando os homens a cercaram e agarraram seus membros. Tudo foi inútil, até seus gritos, que Russel pelejou arduamente para que eles não chegassem aos ouvidos de sua irmã, mesmo sabendo que não adiantaria.

E então, quando um dos agressores abriu o zíper de sua calça e mandou seus amigos abrirem as pernas “dessa vagabunda”, Russel sentiu uma pontada dentro do peito. Algo como se a razão e a consciência estivessem sido dilaceradas dentro de seu estômago, e delas surgia o instinto e a raiva. O garoto começou a rosnar, num tom tão baixo que nem mesmo a garotinha que estava a centímetros de sua boca poderia ouvir. Com uma careta gutural o rapaz começou a cerrar os dentes, sua visão começando a enxergar tudo vermelho.

Mas no instante seguinte tudo voltara ao normal. Sua irmã havia lhe apertado um pouco mais forte, o que o trouxe de volta a consciência, trazendo também a razão e o medo, que o impedia de enfrentar os estupradores de sua mãe.

Quando todos já haviam desabotoado a braguilha e “feito o seu trabalho”, a mulher já nem se mexia mais, talvez por exaustão, talvez por ter desmaiado. Russel nunca iria saber. Uma musiquinha irritante daquelas de celular ecoou pelo aposento. Era de um dos assassinos. Após ter conversado algo que Russel não entendeu nem fizera questão de tentar ouvir, o bandido sacou a arma, atirou quatro vezes no corpo desnudo jogado na cama, chamou os amigos e foram todos embora.

E como sempre acontecia, a polícia só chegou muito tempo depois do que o necessário para conseguir até mesmo uma pista. Mas o jovem órfão tinha dado uma boa olhada na cara dos malditos. O garoto não conseguiu tirar o olho da brutalidade nem um segundo sequer. Sua camiseta estava toda molhada das lágrimas de sua irmã, que por sua vez estava com o cabelo encharcado pelas dele.

Os oficiais estavam fazendo um péssimo serviço, como eles sempre fazem com quem não pode “pagar hora extra”. Desorganizaram toda a cena do crime, não chamaram peritos, e só aceitaram ouvir o depoimento de Russel depois que ele insistiu muito. E no momento que ele mencionou o escorpião vermelho nas jaquetas os policiais empalideceram assustados. Trocaram um olhar meio constrangido e disseram que tinham que ir à delegacia. Nunca mais Russel e sua irmã ouviram falar do caso.

O que não era novidade na cidade. Nada funcionava para quem não tinha condições de pagar o triplo do preço de quem molhava as mãos das entidades para que elas “olhassem para o outro lado”. E o melhor que o garoto conseguiu foi um emprego em uma lanchonete, que apenas cobria os gastos básicos dele e de sua irmã. Por dois anos eles viveram assim.

Russel, mesmo depois desse tempo, ainda estava a beira da loucura por ter assistido a morte dos pais. E o destino não se mostrou mais amigável quando, numa tarde em que ele e Rachel estavam voltando para casa, as mesmas jaquetas de couro os abordaram na rua, espancando-o e levando sua irmã, com a blusa rasgada e o botão da calça perdido em algum lugar da rua escura e nebulosa como de costume.

O rapaz fora abandonado na calçada, com hematomas por todo o corpo e filetes de sangue fluindo de suas narinas. Ele não ouvia mais os gritos de sua irmã também, assim como aconteceu com sua mãe. Mas Rachel não estava morta. Pelo menos ele achava que não. Ela tinha sido seqüestrada pela gangue do escorpião vermelho, que ele descobriu que chamava Brujas.

Parecia o fim de tudo. Primeiro os pais depois a irmã. Não lhe sobrara nada. Russel sentia o corpo formigar, a dor tomando conta dele. As sombras do Sol poente tomando conta das ruas, escondendo o ser inútil deitado em posição fetal perto do meio fio. Se alguém estava passando ali na hora, não se deu o trabalho de ir ver se o rapaz estava morto ou se estava tudo bem. Ninguém chamou a polícia, ninguém prestou socorro, ninguém viu os bandidos, ninguém viu o ataque. Ninguém viu a transformação.

O formigamento deu lugar à dor. Uma dor insuportável. Russel sentia sua pele borbulhando, como se estivesse sido mergulhado no óleo fervente. Os músculos se contraíram e enrijeceram. A dor intensificou-se por um instante, quando seus membros começaram a se alongar e verter espessas camadas de pelo. Russel sufocou um grito quando seu maxilar começou a projetar-se para frente. Neste o momento a dor estava indo embora, bem devagar, como a água que vaza pelo ralo de uma pia cheia. E então, tão rápida quanto começou, a metamorfose parou.

E Russel estava num novo mundo. Um mundo onde seu olfato e sua audição eram ferramentas de caça, que sobrepujavam sua visão. Olfato que ajudava a enxergar. Audição que sentia o mais leve dos movimentos. Aquele era um mundo onde a corrupção e o medo não atravessavam sua camada protetora de pelos, garras e dentes. Ainda era um mundo de trevas, sim, mas no meio da escuridão, Russel era uma esfera brilhante de esperança. Esperança que corre sobre quatro patas. Que uiva triunfante sobre seus antigos receios. Que ataca primeiro, e não sobre nada para perguntar depois. Um mundo das trevas onde ele é a salvação.

E sua irmã precisava dele. Seu olfato apurado detectou o cheiro de Rachel, impregnado no botão de sua calça, que o lobisomem pegou com sua pata, que mais parecia uma mão gigante e peluda com garras, como se fossem cinco espadas prontas para a batalha. O botão parecia uma minúscula gota de orvalho prateada perdida dentro daquela palma enorme. Russel levou a mão até o focinho alongado. Deu duas fungadas fortes, gravando o aroma em seu cérebro. No instante seguinte já estava galopando neblina à dentro. Iria salvar sua irmã.

As luzes dos postes estenderam-se em linhas luminosas, deixando um rastro psicodélico atrás do lobo gigante. Foi nessa hora que Russel percebeu que suas faculdades mentais não estavam completamente obstruídas por seus instintos. Ser lobisomem não é como os filmes dizem então, uma criatura insana que tem uma queda por carne humana. Muito pelo contrário. Russel ia matar sim, mas ia matar aqueles que lhe destruíram a vida. E sabia que ia fazer isso. Russel, apesar do ódio incontrolável, ainda raciocinava.

E no instante seguinte o rapaz na pele de lobo se deu conta de outro fato. Não sentia mais dores. Não as dores da transformação, mas sim aquelas trazidas pela sova que os bandidos deram nele antes da metamorfose. Seus pelos escondiam a pele, mas Russel podia jurar também que os machucados não estavam mais lá, como se o processo de cicatrização tivesse avançado nos ponteiros do relógio. Um sorriso macabro surgiu no focinho alongado da criatura. Sentidos inacreditavelmente aguçados, força, agilidade e resistência que fariam qualquer herói das histórias em quadrinhos morrer de inveja. Iria definitivamente salvar sua irmã.

Diversos cheiros da cidade invadiam suas narinas, mas sua determinação conseguia separar exatamente o odor de Rachel, logo, não foi difícil seguir o rastro de menina. Alguns minutos depois, Russel estava na frente de uma academia de boxe. Marcas de pneu invadiam o portão da garagem do estabelecimento, e era pra lá que o perfume de Rachel ia. Vozes ecoavam de dentro do prédio antigo. Estavam rindo e gritando como hienas. Era hora do lobo se alimentar.

A algazarra na academia acabou no momento que a porta de entrada voou e quicou no chão, tilintando ensurdecedoramente. Todos os olhares se dirigiram para o buraco na parede. E todos perderam o fôlego quando discerniram o que é que estava entrando. Russel sorriu diante da cena. Havia aproximadamente dez membros da gangue no aposento. Todos boquiabertos. Os olhos proporcionalmente arregalados de acordo com o pavor que lhes subiu à espinha. Faces pálidas e cheiro de medo.

Em seguida todos tiveram a brilhante idéia de pegar suas armas e descarregar os pentes naquele monstro. O sorriso macabro de Russel vacilou por um momento, quando os revolveres cuspiam infinitos projéteis em sua direção. Mas assim que os clicks surgiram, sugerindo que a munição finalmente havia acabado, o garoto percebeu que não havia dor. Apenas os instintos, e raiva e aquela pequena faísca de inteligência.

Então ele estava certo, seus machucados não estavam mais lá, assim como os tiros que penetravam sua carne também não. Rosnando como um trator, o lobisomem pousou seu olhar assassino nos atiradores. Eles agora não estavam mais pálidos, mas o terror ainda estava lá, bem evidente em seus semblantes.

-Mas que merda é essa? Essa coisa não morre?

-“Essa coisa” é um lobisomem cara! A gente tinha que ter balas de prata! Tu não assiste filme não?

Enquanto os bandidos discutiam, Russel foi se aproximando do grupo, bem devagar, como um leão analisando sua presa antes do ataque mortal. E então deu um passo em falso. Um dos homens ainda estava pálido, mas não somente a face, como Russel viu ao analisá-lo melhor. Todas as partes do corpo que apareciam por entre as peças de roupa eram bem brancas. Mas o que o chamou atenção não foi isso, e sim o fato de seus super-sentidos não terem percebido nem um traço sequer de medo. Da onde vinha aquela palidez mórbida então?

Russel não prestava mais atenção nos outros. O rapaz de pele branca vestia uma jaqueta diferente das dos outros, o que levou o lobisomem a deduzir que ele era o líder do bando. Seu olhar mantinha-se fixo no lobo gigante, sem piscar, como se o estivesse desafiando a dar mais um passo. E foi exatamente o que ele fez. Continuou sua caminhada lenta e calculista, sem tirar os olhos de seu desafiante. E então congelou de novo.

Sua irmã estava ali, estirada no chão aos pés do líder. Ela não se mexia, e estava tão branca quanto o homem ao seu lado. Dois pequenos furos, perfeitamente simétricos, expeliam uma fina linha de sangue em seu pescoço. Então era isso. O maldito era um vampiro! E esta idéia não soou tão estranha na mente de Russel quanto soaria se alguém lhe tivesse dito há uma hora atrás. Se a lenda do lobisomem é real, a dos vampiros pode perfeitamente ser também.

E um uivo estridente como um trovão inundou a atmosfera do prédio. Até um segundo atrás Russel dominava seus sentimentos, como se sua ira fosse uma vela gigante, centralizada num pequeno ponto de sua mente, controlada pela pequena chama no topo que era seu juízo. Mas ver sua irmã naquele estado fez com que aquela pequena chama de juízo se apagasse, sobrando somente a escuridão e a parafina infinita da raiva.

Alguns bandidos deixaram suas armas caírem no chão com o susto do uivo. Os que estavam mais próximos do lobisomem caíram eles mesmos, atordoados. Estes foram os primeiros a morrer. Com um único salto, Russel atravessou a metade do aposento que o separava dos seqüestradores que haviam tombado, e antes mesmo de tocar as patas traseiras no chão, as dianteiras estavam afundadas em sangue e tripas. Um som gorgolejante acompanhou o olhar mortífero do homem-lobo em direção às próximas vítimas.

Mal os dois corpos desvencilharam-se sem vida das garras de Russel, ele já estava no ar novamente. Com um novo pulo o lobisomem voou e aterrissou nas costas de um dos bandidos que tinha agachado para pegar sua arma no chão, perfurando seus pulmões e estraçalhando sua coluna. O coitado nem ao menos conseguiu gritar. Girando nos próprios calcanhares, de braços abertos e garras armadas, Russel abriu o estômago e o peito de mais dois inimigos, e dividiu no meio o cadáver onde estava afundado. Tiros desesperados voaram como moscas para cima do lobisomem.

Os seqüestradores que ainda estavam vivos estavam à beira da loucura. Em menos de cinco minutos o que era para ser uma noite perfeita se tornara um pesadelo sem alvorada. O cheiro de sangue e de morte nauseava. Somente o rapaz de aparência pálida parecia não estar abalado. Na verdade, se Russel ainda estivesse são, perceberia que o albino estava excitado. Um pequeno sorriso no canto da boca e um brilho de expectativa nos olhos enfeitavam sua face branca.

E logo ele era o único membro da gangue que restava vivo. Ou não vivo, morto vivo, seja lá como se chama essa criatura da noite. E quando só sobrou ele, a chama do raciocínio reacendeu na mente da fera, controlando novamente sua ira. Os olhos do vampiro encontraram os do lobisomem. O tempo pareceu congelar. Russel odiava o morto vivo que liderava os assassinos de sua família, como se ele tivesse sido o mandante de tudo. E podia realmente ser.

O vampiro desejava o sangue de Russel mais ardentemente do que desejou o da moça estirada no chão. Mas antes que ele pudesse pensar um pouco que fosse no assunto, o duelo começou.

Fora Russel quem tomara a iniciativa. O peso do sangue que banhara seus pelos não diminuiu sua agilidade nem atenuou a perícia de seus golpes. Com a mesma precisão e velocidade lupina, o garoto avançou contra sua presa imortal, deixando um rastro de pegadas vermelhas pelo chão. Suas mandíbulas morderam com a força de uma bomba atômica o ar onde um segundo antes estava a cabeça do líder dos Brujas, que deu um pequeno salto para trás.

Sua velocidade era equiparável a de Russel, mas seus movimentos eram mais graciosos e medidos, leves e compassados. O corpo do rapaz era musculoso e rígido como uma muralha, mas articulava-se como borracha. Dessa vez fora o vampiro que atacara, usando suas garras também, que não existiam até segundos antes. Se aproveitando do milésimo de segundo em que Russel perdera o equilíbrio por não ter encontrado seu alvo, como quando se pisa em falso numa depressão no chão que não se nota até sua mente lhe mandar o alerta de que algo está errado, o morto vivo fez quatro pequenos cortes no abdome do lobisomem.

A dor que Russel sentiu invadir seu estômago quase o fez cair de joelhos. Para quem tinha sobrevivido a uma chuva de projéteis automáticos, aquilo pareceu um banho de água fria no ego do rapaz. Afastou-se do vampiro num piscar de olhos, evitando que a outra mão de seu inimigo lhe rasgasse o pescoço. Aquela batalha era diferente. Um bando de humanos cagões com um arsenal de pequeno porte não poderiam ser comparados a séculos de atrocidades e aos poderes sobrenaturais das criaturas da noite.

Mas Russel também era de uma categoria diferente de desafio. Agora um pouco mais calmo, e fora do alcance das garras antagonistas, ele percebera que o ferimento não era tão grave assim. Talvez a dor se intensificara por causa da surpresa de relembrar como era senti-la. Sua garganta rosnava por conta própria, tentando subconscientemente intimidar o rival. Não adiantou.

Desta vez fora o vampiro que tomara a iniciativa, tentando a mesma tática do lobisomem. Sua boca estava aberta de uma forma que nenhum ser humano conseguiria imitar. Longos caninos saltavam para frente como ferrões. Mas o morto vivo também não obteve êxito. Russel revirou-se nas próprias costas, como um cachorro coçando o traseiro, e rolou por cima dos ombros, afastando-se da mordida. Antes de ficar em pé de novo o vampiro já o estava atacando. A velocidade dele era realmente inigualável. O golpe seguinte fora com os pés. O morto vivo acertara um chute no focinho do lobisomem, que rolou outra vez com o impacto.

A ira dentro de Russel parecia queimar seus músculos, tencionando e enrijecendo-os ainda mais. A vontade de ser mais rápido do que o morto vivo incendiava seu cérebro. E então algo estranho aconteceu. Russel percebeu sua raiva se concentrando, canalizando-se em algo indecifrável nas novas dimensões de sua existência. Quando abriu os olhos viu que o vampiro parecia se mover como num vídeo em “câmera-lenta”. De algum modo sobrenatural, sua cólera o estava aperfeiçoando, como uma versão macabra dos turbos nos carros de corrida dos videogames. O gosto da satisfação sobrepujou a dor no focinho, e seu sorriso perverso surgiu novamente.

O vampiro estava tentando morder novamente, mas sua investida era patética. Russel chegou a pensar que podia tirar um cochilo antes de tomar uma decisão. Porém sua raiva concentrada agiu por ele. O rapaz na pele de lobo enfiou as duas mãos na boca do inimigo, uma segurando o maxilar e a outra apertando os dentes de cima junto ao nariz. As presas da vítima rasgaram-lhe o couro da palma de suas mãos, mas a satisfação de ver a expressão de terror estampada nas retinas do vampiro escondeu a dor.

O morto vivo vomitou uma súplica de perdão e clemência por entre as garras de Russel, mas já era tarde demais. Com um movimento brusco, o lobisomem puxou o queixo do vampiro para baixo, como se fosse um zíper. Suas garras se encarregaram de abrir a garganta, o peito e o estômago da criatura. Seus braços caíram inertes. Seus olhos pareciam duas bolas de bilhar, opacos e inertes. Uma nova poça de sangue se formando aos pés do homem lobo. Já quase não se via o branco do piso em lugar nenhum.

O confronto acabara. E era por isso que Russel se sentia seguro, mesmo depois de ter comprovado que duas das mais pavorosas lendas urbanas eram reais. Mas essa confiança vinha do fato de ele fazer parte de uma delas. Uivou novamente, mais forte do que da última vez. O triunfo lhe servia de mega-fone. As paredes e janelas tremeram, assim como toda a vizinhança assustada.

Russel percebeu naquela noite que ainda havia esperança. Ser um lobisomem não é nem de perto a mesma coisa do que ser um herói dos quadrinhos, mas agora ele sabia que não era mais um humano indefeso em meio a uma tempestade de caos e monstros escondidos nas sombras. Até riu deste pensamento, lembrando que ele mesmo era um agora. E então outro pensamento surgiu em sua mente. Com certeza existiram outros como ele e que talvez o ajudassem a ser as garras da esperança que a humanidade precisava para se reerguer. E de fato, eles já estavam lá.

Atraídos pelos uivos do garoto, outros três lobisomens foram à academia e o assistiram derrotar o vampiro, esgueirados nos cantos escuros do lugar. Suas expressões demonstravam respeito e nenhum sinal de perigo. Lentamente começaram a se aproximar do novato. Russel percebeu as cicatrizes espalhadas pelos corpos peludos, demonstrando o quão experientes eram e a diferença de idade entre ele e os outros. Fez uma reverencia que foi retribuída por todos.

Daquele dia em diante Russel fazia parte da esperança da Terra, e iria dar tudo de si para purificar o mundo, afinal, agora que sua irmã também se fora, o garoto não tinha mais nada a perder.

3 comentários:

  1. Mto bom o texto Dan!! e o Blog ficou lindo...

    Só uma coisa que me fugiu durante a leitura. A Rachel morre ou vira vampira?

    Adorei aqui.. Beijos Paz e Força Sempre!

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  2. Veterano!!

    Arrasou com o blog novo! Muito bonito!!
    Texto muito bacana também!

    Sucesso para vc!!

    bjo da caloura preferida rs

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  3. Daniel, parabéns pelo blog, muito sucesso na empreitada de produzir literatura! Me chamou a atenção você dizer que quer lançar um livro e que não tem nenhum publicado. Já conhece o método de autopublicação?

    www.clubedeautores.com.br e www.agbook.com.br

    Eu faço parte com duas obras lá. Vale a pena!

    Abraços,

    Fábio Diaz Mendes (pseudônimo)
    (Fabio Mendes Paulino)

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